Carlos Arinto



O comboio saía de Santa Apolónia, muito cedo, por isso, deixávamos a casa ainda noite, cheios de sono, acompanhados de malas e cestos, para tomar lugar na carruagem que ia para a Lousã. 
Não sei porquê, saiamos em Serpins, uma estação antes da Lousã. Depois, ainda tínhamos hora e meia de solavancos até um cruzamento, onde uma capela de santo desejava “boa viagem” aos que partiam e perguntava aos que chegavam. Esta carruagem era “desatrelada”, em Coimbra, ficando ali algumas horas a aguardar que “uma composição” a viesse buscar, para atravessar a cidade, devagar, através dos seus jardins, parques e ruas. 
Eu e o meu irmão, viajávamos sempre debruçados à janela, com o vento a fazer-nos chorar os olhos e a distorcer-nos o rosto. O cabelo arrepiava-se e agitava-se num “adeus” aos camponeses que trabalhavam nas terras à beira da linha. Só nos recolhíamos, quando um outro comboio passava por nós, em sentido contrário, tonitruando e soprando pressa. Chegávamos já noite, e o meu avô lá estava à nossa espera, com a burra e a carroça, para levar as bagagens e “os meninos”.
As vinhas da casta Arinto esperavam por nós.

***

Carlos Arinto, nasceu em 1951. Tem escrito poesia e contos, sempre em edições de autor, ou em edições partilhadas. 
Em sentido profano, talvez apócrifo, um autor não tem de ter biografia, tem de ter obra, tem de ter escritos, tem de ter leitores. Um autor tem de ser ele, no convencimento de que é outro.
E aqui estou relatando o improvável, porque toda a ficção é a criação do impossível.



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