A arte inútil




Tenho vindo a praticar a arte inútil de não fazer nada. É claro, que os tempos ajudam, pois cada vez que se quer fazer algo, alguém avisa: ALTO! É inútil! Não se pode fazer nada, não se deve fazer nada. O perigo de terríveis desgraças, doenças e catástrofes é uma espada de Dâmocles sob as nossas cabeças. Estamos sempre ameaçados e à beira de sermos decapitados.
Deixei crescer a barba e tenho praticado o yoga possível, enrolando-me sobre mim mesmo, em arco, protegendo a cabeça, junto aos pés e o estômago para dentro, sexo protegido no entre pernas e braços cruzados, por forma a poder rolar sobre mim mesmo, em caso de necessidade, sem outros prejuízos que algumas arranhadelas e hematomas menores.
Pratico uma higiene consequente, pois a arte também se quer limpa e que possa ser exemplo de sanidade visual.
A inutilidade desta arte de ausência produz efeitos mórbidos, mas apaziguadores de excitações que não estavam a conduzir a resultados positivos para humanidade, demasiado turbulenta e auto destruidora de si própria. Os actuais efeitos mórbidos, são agora inócuos e  espectáveis que se verifiquem de acordo com a ordem estatística projetada pelo logaritmo. A inutilidade está em pandemizar uma abstração que leve ao equilíbrio que se havia descontrolado, saltando para um dos lados, ou fugindo para o seu oposto, como qualquer idiota poderá explicar com exemplos práticos de oscilação de personalidade e comportamento, hoje considerado bipolaridade assintomática.
A arte deseja-se estável e que apenas desinquiete quem já tiver tendências para essa turbulência. Os outros, os incautos, que se cuidem.
Olhar para a arte, ver, sentir a sua influência e aconselhamento e deixar que tudo fique como sempre esteve é o resultado de não introduzir sintomas cancerígenos ou virulentos na percepção de que o mundo está a mudar, deixando que ele mude sem a nossa participação.
Tudo o que muda já e suficiente mau, para ainda estarmos a emoldurar o trágico e o medo com a nossa pretensa decoração artística de êxtase estético ou epifania de evolução conceptual. Existe sempre reacção à mudança.
Fazemos arte, porque é da nossa natureza ser artistas e produzir arte como degraus ou estiletes das peças cardadas que se entre-cruzam, rodam e giram sobre si próprias, para no infinito da sua inutilidade conduzirem o que tem sido ao que poderá ser. Mas só isso. Nada, depois disso, está no nosso controle.
Toda a arte é inútil. A estética, a poesia e a do deslumbramento. Colhe ainda uma outra benesse, a arte assumiu-se como efémera, seja na escultura de areia, seja no bronze das estátuas ou na pedra das afirmações gigantes de intemporalidade a sua vaporosa perenidade acelerou para uma pegada, apenas virtual.
Viajamos, percorrendo distancias para a vermos e quando chegamos lá, não a vemos, apenas olhamos para ela. As esculturas de Michelangelo, confidenciavam-me, no outro dia, que estão fartos que isto de ser arte e suprema perfeição é uma “seca”. Concordo! Até as mais belas fontes de água, com tritões ou sem tritões por vezes ficam à mingua de água e torram a paciência dos turistas. É como ir ver a catedral da Sagrada família a Barcelona e ao chegar, encontra-la toda embrulhada em lençóis, entubada e com os pináculos flácidos… porque se constipou.
Como tudo o que é inútil, não serve para nada. Existe porque existe e não vale a pena procurar lições, mistérios e efabular desígnios, porque nada disso existe para lá da nossa imaginação. E já não é pouco, dir-se-á. Há quem se suicide por menos.
É deixar escorrer e que o sangue do artista coalhe até desaparecer no meio das outras restantes inutilidades como a “esperança de vida” a espiritualidade ou a vida eterna.
Da arte, nada se aproveita. Tudo é um monte de lixo, nem sempre reciclável. Tal como os restantes excrementos que vamos distribuindo pelo planeta, convencidos de que são adubo. O único mérito que descubro, ao peregrinar pelo assunto é que a arte nos incomoda e nos acalma, efeito contraditório que se choca, anula e faz faísca.
Depois, o diabo, mais um que tem a mania que é artista, que escolha!

Carlos Arinto

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