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O ano tinha sido terrível e a economia afundava-se, sem solução à vista. Cada vez que o governo tentava implementar uma solução pacífica, parecia que todas as forças se conjugavam para a derrotar, ainda ela mal despontava, e já  era cilindrada em menos de nada.
De um dia para o outro todas as barreiras eram derrubadas e os notícias funestas e cancerígenas apareciam como cogumelos em dia de nevoeiro.
Lisboa fervilhava de doentes, numa roda-viva a toda a volta da cidade. Os lisboetas estavam impedidos de sair da sua cidade, sob pena de contágio e os que moravam nas periferias também não queriam ir à cidade causadora dos problemas devido ao preço da habitação, ao custo dos transportes e à corrupção que inundava tudo e todos, que como se sabe é um mal que contagia.
Havia um anel de fogo em redor da cidade. Era para a periferia que eram mandados os idosos, os doentes, os sem instrução, os que apresentavam uma cor de pele “esquisita” esbranquiçada ou acinzentada, os que tinham os olhos em bico, os ciganos e os jovens que faziam parte das claques de futebol.
Por alguma razão obscura os muçulmanos mantinham-se no centro da cidade, na zona nobre e antiga, onde os seus ancestrais e antigos inimigos dos primeiros réis de Portugal, tinham vivido.
Nas portas de Benfica – um clube que, este ano,  perdia sucessivamente todos os jogos – foram erguidas trincheiras para baixo e barreiras para cima. Não passarão! Gritavam os suburbanos desconfiados dos que queriam ir para Sintra. Os leprosos que fiquem em Lisboa.
(sim, havia uma certa confusão entre as diversas doenças possíveis, pandemias, surtos de percevejos e drogas leves, mas era na confusão e na desorientação democrática que se faziam os melhores negócios e a policia se afirmava, com prudência, como conselheira do bem e do mal)
A cidade, capital habituada a ser brinquinho de princesa, não estava habituada a isto. Os barcos de cruzeiro desapareceram do Tejo, os famosos, artistas e inúteis do jet set internacional, haviam vendido as suas mansões e rumado a outros paraísos. Os chineses espreitavam os catálogos e os folhetos das agências de publicidade e de viagem,em Hong-Kong, no Vietname e na Coreia do Sul,  mas não chegavam.
Uma desgraça.
E como uma desgraça nunca vem só, o Algarve esvaziava-se sem ingleses.
Foi então que a ministra da saúde, que era quem tratava da saúde à população em geral, uma vez que a ministra da administração interna estava com gripe, propôs ao senhor primeiro de entre os ministros.
- Vamos mandar os periféricos para o Algarve. Enchemos o Algarve, fazemos vídeos e fotos, convidamos jornalistas a virem cá e enviamos tudo para o reino unido, pelos correspondentes de guerra avençados e eles hão-de perceber que o paraíso está bem e recomenda-se. A reunião do conselho foi rápida. Aprovado.
As camionetas começaram a chegar ainda era madrugada. Todos os que viviam nas periferias da cidade foram embarcados para o Algarve. Foi um “ver se te avias” e todos quiseram ir, eram férias pagas, que empregos não tinham e andavam de transportes para cá e para lá só para chatear as estatísticas do governo. Nós sabemos como esta gente das periferias, e as etnias que os suportam e alimentam, são vingativos, mesquinhos e vaidosos. Até os lares de idosos ficaram vazios e os centros de dia tiveram de encerrar por falta de utentes: foram todos para o Algarve.
Lisboa rejuvenesceu com esta ausência embora os supermercados tenham ficado vazios e as ruas sem limpeza, mas não há bela sem senão. Em contrapartida o Algarve encheu-se de gente feliz a passear, a comer nas esplanadas, a praticar golfe e desportos aquáticos e estender a toalha na praia e a passear nas arribas.  O aeroporto estava cheio de gente, sem máscara, com ar alegre, eram figurantes que se deixavam entrevistar para as televisões. Eram predominantes as muletas, as cadeiras de rodas, as blusas garridas e os panamás vermelhos, pois era uma actividade que implicava pouco esforço, apenas andar por ali, de um lado para o outro, fingindo estar a desembarcar ou a partir de regresso a…sabe-se lá onde: Os discursos eram titubeantes, mas convincentes no seu arrazoado. Sim não tinham medo, ali era seguro, bom, muito bom, iam comer …como se chama..sardinha, bacalhau…isso!
Foi preciso arranjar à pressa meia dúzia de acidentes na estrada nacional 125 para credibilizar a coisa, pois ninguém acreditaria que o transito se fazia sem acidentes num carreiro tão pitoresco e típico como era esta transversal algarvia que passava por potes em argila do tamanho de casas, painéis solares e artesanato de jardim.
Turistas a comprar laranjas á beira da estrada. Chapéus de sol e piscinas como mel a procurar atrair abelhas. Frango da Guia. Pizzas e bebida, muita bebida…não havia limite ao que se podia beber e a polícia era simpática e ia levar os bêbados a casa. As boîtes estavam encerradas, era verdade, mas podiam fazer festas na rua, comprar cintos de cabedal e chapéus de palha e o gin estava barato.
Uma assessora de comunicação desenterrou do fundo da história – numa leitura ao acaso do jornal - aquele caso da Maddie que tinha desaparecido – raptada, ou morta, ou violada, ou o que quisessem que tivesse acontecido – e foi um sucesso, nunca a praia da Luz ficou tão ofuscada com curiosos, olheiros e basbaques como agora, que mais valia mudar-lhe o nome para praia da sombra.
Os hotéis estavam cheios e os apartamentos também, Os parques aquáticos com as lotações esgotadas. Os parques de campismo a abarrotar e as rulotes, alugadas para as filmagens ,às centenas por todo o lado. Não cabia nem mais um inglês.

E foi assim que o Algarve e Lisboa se orgulharam de ter vencido a crise. Para comemorar foram organizados diversos eventos: websummit, Champions e a festa do avante. E depois não digam que não temos imaginação e empreendedorismo. Tudo tem uma medida, nós temos uma medina e a ambição de ter o mundo.

Carlos Arinto

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