Gárgula de gigantes





Alerta de tsunami!
O sinal foi emitido pelas rádios e televisões. Pelos jornais também.
O Primeiro-ministro disse aquilo no meio de algumas aldrabices, mas sabe-se que um político que não diga mentiras não é um político. Talvez por isso foram poucos os que tomaram nota. Não foi o caso de Leonor Bago-de-Uva, empresária e mulher atenta que decidiu que por entre as falcatruas do ministro, primeiro interpares, havia deixado escapar uma verdade. Acontece.
Só quem tem experiência e está atento percebe. E Leonor estava atenta. As medidas e o paleio eram sobre isto e aquilo e mais não sei quantas estatísticas e palavreado económico, mas o tsunami era sobre finanças e a crise que galopava em direção a todos. Era urgente estar atenta e tomar decisões, prevenir e acautelar.
As bitcoins tornar-se-iam a moeda do futuro? Era possível. Os preços dos bens e serviços aumentariam e alguns sectores da economia colapsariam. Era preciso separar uma coisa da outra, criar riqueza quando ela existe, reconhecer as oportunidades quando elas aparecem.
O assunto tinha de ser mantido em segredo, apenas discutido no grupo restrito dos chegados. Leonor evitava usar a palavra “amigo” que lhe parecia gasta e sem significado, preferia tratar as pessoas pelo nome e mais nada. Nem doutor, engenheiro ou arquiteto. Ela também tinha formação académica e não andava a mandar imprimir cartõezinhos com o curriculum. O que contava era a ação e os resultados.
Para companheiro de farras tinha Guilherme Tadeu, um homem de cinquenta anos, bem apessoado, viril e com meios suficientes para viver com tanta liberdade, como ela. Faziam vida dupla, tinham as suas aventuras, em conjunto ou em separado, viajavam e divertiam-se sempre que lhes apetecia estarem juntos. Quando estavam separados, não sentiam falta do que não existe: o amor.
Os amigos e o amor eram conceitos que vendiam, mas na prática, que é a realidade, eram mais forças ocultas – tal como os ímanes que atraem e repelem, à vez – que ensaboam o espírito em banhos de espuma perfumada, que outra coisa. Claro que havia organizações que tinham angariado fortunas colossais á custa dos crentes, mas isso era terreno para missionários, diretores de marketing e agências de comunicação, que não Leonor, que era incisiva e objectiva.
Por isso, e porque o dinheiro e o poder são o mais potente afrodisíaco, Leonor reviu alguns contratos, prorrogando alguns, denunciando outros, mesmo que unilateralmente, e teve uma conversa com o gerente do seu banco, para a contratualização de um empréstimo avultado, a taxa simpática (os juros iriam disparar) com vista a investir em áreas novas. A tecnologia foi uma delas e no sentido de se ir adiantando ao mercado requereu a dedicação em exclusivo de ceos credenciados. O risco era – nesta altura - enorme, mas a seu tempo compensaria largamente. O que iria pagar a cada ceo era uma fortuna na contabilidade de hoje, mas uma ninharia na contabilidade de amanhã.
Leonor ficou a pensar – enquanto bebia uma chávena de café, forte, com espuma, sem açúcar - que ninguém foge de um tsunami, mas podemos ficar longe e preparar a reconstrução. Havia dinheiro suficiente até para começar a comprar imobiliário, assim que os preços afundassem. E eles iam bater no fundo daqui a pouco tempo.
Telefonou a Guilherme Tadeu:
- Olha, estava-me a apetecer uma noite sossegada contigo e a Madonna, sabes se ela está cá?
- Sim, está, mas porque queres falar inglês? A Gisela João faz concertos em casa das pessoas, assim ao estilo take-away, ou mesmo o chefe Michelin aqui do bairro, com a sua equipa, pode vir servir aqui a casa e temos a piscina aquecida preparada para ser usada. Que dizes?
- Não sei…o sushi já passou à história e as galdérias da televisão também não me dão tesão.
Leonor era direta e usava com os seus colaboradores e confidentes uma linguagem direta e áspera.
- Uma noite sossegada, disseste.
- Sim, mas não era bem a ler um livro que eu queria estar sossegada. Talvez…
- Então escolhe, o que posso fazer por ti?
- Alinhas em fazer um salto de para-quedas à meia-noite?
- Que loucura…alinho pois! Vou telefonar para Évora e combinar com o piloto. Ficamos a dormir lá, depois de uma ceia de petiscos alentejanos.
- Combinado. Vou ter contido ás oito.
- Combinado, tenho aqui uns assuntos a tratar e depois vou-me preparar. Ouviste o primeiro ministro?
- Schiu…isso é segredo. Aliás é sobre isso que te quero falar.
Desligaram.
Leonor arrumou-se, aprontou-se embelezou-se e vestiu-se como uma sexy doll, que as aventuras têm de ser picantes e viciantes. O plano de resistir ao tsunami estava em marcha.

Deixou recado ao seu advogado: pela manhã constituir empresa com o nome maremoto. Símbolo e logos adequados. Capital detido por off-shore e para si 1% com direito a lugar na administração.
Há muito tempo que não se sentia tão viva, tão cheia de adrenalina, Leonor era um tsunami e os tsunamis sempre se deram bem uns com os outros. Os tsunamis e os maremotos...há quem diga que são a mesma coisa, o chamar é que é diferente. (Mas quem chama um maremoto? Ou um tsunami? ) E foi assim que se começaram a preparar os dias do futuro, naquele planeta.

Carlos Arinto

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