O estranho caso do 5º esquerdo (segunda parte)
*Dona Ermelinda de
Jesus passou algum tempo observando pelo ralo da porta, sempre que ouvia
barulho na escada, mas nada descobriu. Também já não via o proprietário do
quinto esquerdo há algum tempo, embora este aparecesse frequentemente na
televisão, mas sabe-se que as televisões passam muita fake e episódios gravados. Podiam ser coniventes com algo estranho
e estarem a encobrir o desaparecimento do deputado. Podia inventar uma desculpa
e ir lá bater à porta, mas não, isso não era hábito daquele prédio e poderia
parecer mal, quebrar assim a normalidade.
As diversas caixas do
correio estavam limpas e sem sinais de qualquer anomalia. Por um mero acaso
intercetou um fornecedor de serviços que se dirigia para o quinto esquerdo.
- Posso ajudar?
Procura alguém? Perguntou quando o apanhou à espera do elevador, fingindo
ajeitar o tapete da entrada, preocupada com o fecho da sua porta que por vezes
encravava, esclareceu.
- Não, nada obrigado,
tenho a morada correta, muito boa tarde. Obrigado.
Mistério, ali havia
mistério. E os barulhos continuavam, de tempos-a-tempos. Ninguém mais no prédio
ouvia ou se queixava, mas à dona Ermelinda incomodavam. E incomodava não saber
o que se estava a passar. Fizessem o que quisessem desde que ela soubesse o que
era. Os casos sem explicação é que a atormentavam.
Dona Ermelinda de
Jesus era uma espécie de porteira, um segurança do prédio, embora oficialmente
não exercesse essas, nem outras, funções. Tinha a responsabilidade de zelar
pela segurança e conforto de todos, pensava, enfim…era uma forma de estar
ocupada, já que tinha pouco que fazer e não se preocupava em ganhar dinheiro,
pois tinha os seus rendimentos: umas rendas de umas casitas que possuía, no
outro lado da cidade.
- O que diabo se
estaria a passar?
Com a desculpa de que
era preciso mudar uma lâmpada, no hall do quinto piso, armou-se de um escadote
e foi fazer o trabalho que a empresa que geria o condomínio não executava a
tempo e horas, embora tivesse sido alertada para o facto de uma lâmpada estar
fundida naquele sitio.
Estranhou a porta
encostada que batia ligeiramente, talvez por causa de uma corrente de ar e
espreitou: viu um enorme aquário com um peixe vermelho que saltava na água como
um golfinho – coisa estranha e disparatada, nunca antes observada. Um aquário
enorme com apenas um peixe que se movimentava de um lado para o outro parando,
parecendo ficar a olhar para ela. Seria um peixe de guarda?
Num canto, conseguia
distinguir o senhor politico e deputado todo nu a atirar setas a um alvo onde
tinha sido colada a fotografia do primeiro ministro. Era macumba, pura e dura,
só podia ser! Feitiçaria da grossa, magias africanas, coisas de vudus, se dona
Ermelinda pudesse saber o que isso era.
E os guinchos? Lá
estava a concubina, “eu já desconfiava” que se torcia toda a fazer amor com um
marreco anão. Coisa mais disparatada nunca se viu…bem isto era um filme
pornográfico que passava num ecrã gigante colocado por detrás do aquário.
Com um supetão a porta
fechou-se com um bater seco.
(continua)
Carlos Arinto
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