O estranho caso do 5ª esquerdo (primeira parte)


A senhora do rés-do-chão já tinha avisado. -Anda ali, mistério, é tudo muito estranho.
- Estranho o quê? Não noto nada de diferente.
- Não sei…não sei.
E seguia caminho.
No primeiro andar havia um cão. Que ladrava. Como fazem todos os cães. Esquerdo e direito eram do mesmo proprietário, que havia derrubado uma parede e feito condomínio a toda a volta.
No segundo, à esquerda, uma família de reformados. À direita, não vivia ninguém, diz-se que eram emigrantes, mas nunca tinham sido vistos no prédio. Até na reunião anual do condomínio se faziam representar e tinham as contas em dia no que respeitava a compromissos regulares ou excepcionais, como às vezes era necessário.
Terceiro andar: no lado esquerdo um casal com dois miúdos. Lado direito o senhor arquiteto.
Quarto andar: António José Serafim, um homem sem profissão, nem passado, que ia e vinha à rua, cumprimentava os vizinhos e não tinha idade, no lado esquerdo, homem de poucas palavras e porte altivo. No direito: Maria Bettencourt que trabalhava num clube desportivo da cidade, como secretária da direção. Senhora elegante que conduzia um mercedes e comia sempre fora.
Quinto andar: No lado esquerdo um politico conhecido e no lado direito dois homens que não escondiam de ninguém as suas relações intimas. Eram as mascotes do prédio, tratados com carinho por todos, que acrescentando algum exotismo e charme ao cinzentismo dos restantes andares davam colorido aos encontros á porta do elevador, ou à saída das garagens.
Diz-se que o politico se tinha apropriado do sótão, mandando construir uma escada interior e que o seu apartamento era um lupanar comparado com os restantes espaços. Todos pagavam a manutenção do edifício de acordo com a permilagem de cada um, à exceção do politico que usufruindo do dobro, pagava pela metade.
O rés-do-chão era só um, que o restante espaço era constituído por arrecadações e garagens. E elevador, está bem de ver. Em vez de um, dois, que é para nunca se ter de esperar muito e não se cruzarem os vizinhos na escada que não há necessidade nenhuma disso.
A privacidade de cada um era um luxo que todos gostavam de usufruir, embora tudo se soubesse, sempre mais cedo do que depois.
- Ontem o senhor do segundo teve de ir ao Hospital, mas regressou depressa, não deve ter sido nada!
O mistério a que dona Ermelinda de Jesus se referia tem a ver com uns barulhos que se ouviam a horas desencontradas. Uma bater surdo, como palmadas, uns guinchos, umas bofetadas.
Pensou-se que seria coisa de masoquismo, mas nunca ninguém viu entrar para casa do político mulher ou homem que fizesse suspeitar de que era coisa de sexo violento. Almas do outro mundo? Reunião do partido por video conferencia? Um gato?

(continua)
Carlos Arinto

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