O estranho caso do 5ª esquerdo (3º parte e ultima)


*Não havia crime? Que pena, era uma boa ocasião para chamar a policia e as televisões sensacionalistas e aparecer a contar o que viu. Mas não, a cena era doméstica, se bem que canalha e até desconcertante, mas nada tinha de ilícito. O homem que estava de costas, não tinha má figura, apreciou a dona Ermelinda, um bonito rabo, sim senhor..
Desfeito o mistério, Dona Ermelinda não conseguiu dormir naquela noite nem nas noites seguintes, sonhando com os glúteos do senhor deputado. Um dia que o viu passar, sorriu-lhe mas ele nem deu pela sua presença. Os políticos, que costumam andar sempre com a mão estendida para um cumprimento a quem conhecem e a quem não conhecem, procurando com essa simpatia bacoca ganhar votos, passava por ela e nem a via.
O que a intrigava era aquilo do peixe. Teria sido o peixe que fechara a porta?
Dona Ermelindo era uma mulher de uns cinquenta anos, ainda na força dos seus atributos fisicos, a solidão é que a atormentava e lhe dava cabo da vida em momentos de maior desvario.
No prédio em frente, no quinto andar, morava uma amiga a quem pediu o favor de poder visitar para espreitar “uma coisa” da sua janela. Munida de uns binóculos lá foi e o que viu ao segundo dia de vigilância activa (como agora se diz) deixou-a estarrecida, pasmada, admirada e sem fala. Descobriu que os vizinhos do segundo, o tal casal pacífico e pais de duas encantadoras crianças, eram visita do senhor político e deputado. E pelos vistos visitas de grande intimidade e convívio doméstico. Um chazinho, uns bolinhos, dois dedos de conversa? Não, mas já lá vamos! Como o quinto andares de ambos os prédios e todos os demais das redondezas estavam, relativamente altos e afastados entre si, não havia preocupação em ter as cortinas corridas, que muitas casas nem tinham, pois naqueles prédios não havia o hábito de estar às janelas ou às varandas e todos faziam a vida que queriam como os holandeses, de forma descarada. Varandas e janelas abertas eram coisas de antigamente. Por vezes, uma ou outra cara espreitava por detrás das vidraças, mas a altura fazia vertigens. Como seria morar no vigésimo andar? pensavam.
Não assistiu a muito, mas o que viu chegou. E viu nitidamente visto pois os binóculos eram potentes e não tinham sido comprados na casa dos chineses, enfim…herança do seu ex-marido, já falecido.. O casal do segundo dançava com o deputado a assistir. Depois, este, juntou-se a eles e começaram aos beijos os três. Uma pouca vergonha, já se vê. Dona Deolinda não quis ver mais, estava envergonhada.
Envergonhada por estar em casa da amiga e disfarçou o melhor que consegui e refugiou-se numa história um pouco “sem pés nem cabeça” para justificar a sua obsessão com o quinto andar do prédio onde morava.
- Que tinha havido assaltos e que estavam a pensar instalar camaras de videovigilância, mas enquanto isso não acontecia, a vigilante era ela. Que era só para se certificar que não havia nenhum perigo para nenhum dos seus vizinhos que ia espreitar o que se passava no seu prédio numa perspetiva de frente. Nunca mencionou que o alvo era um determinado andar, em concreto, nem alguém em particular: era para observar o prédio todo, incluindo o telhado.
De regresso ao seu apartamento vinha excitada e em alvoroço. Agora era portadora de um segredo que lhe custava a guardar só para si, mas tinha de ser, a não ser que um dia rebentasse o escândalo, mas…
Não, nunca chegou a haver escândalo nenhum, a dona Ermelinda ficou com pena foi de não se ter juntado a eles. Sempre era mais um e em tempo de guerra e de necessidade não se escolhem parceiros. Faltou-lhe foi a ousadia. Naquele momento, ou depois, que oportunidades lhe sobraram.
- Estou certa de que iriam gostar, eles – todos os três – não eram bem aquilo que pareciam. Passou a olhar para o casal com outros olhos, quando se cruzava com eles na rua, ou os avistava no carro a saírem velozmente da garagem. Ele um bom pedaço de boa vida, ela uma tentação que não se desdenharia de provar, as nádegas do senhor politico e deputado sempre a assombrarem-lhe as noites no meio de uma orgia desbragada. E com o erotismo de quem sonha com espiões e aventuras perigosas, embalada pela febre de uma constipação que teimava em não a abandonar, delirava. Dona Ermelinda revirou-se na cama, suspirando por noites e dias de prazer que acalentava ainda um dia poder experimentar com aqueles vizinhos marotos. Estendeu-se toda ao comprido sem os lençóis e só com as almofadas suspirou e abandonou-se à fantasia de ser cometa e luz de mil estrelas no firmamento, onde navegou.

FIM


Carlos Arinto

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