A associação


A associação estava parada, sem gente, sem actividade, devido à pandemia. Os idosos passavam por lá para recolher uma refeição, mas ficavam à porta, onde entregavam as marmitas, vazias, lavadas e desinfetadas,  que depois lhes eram devolvidas cheias.
A actividade que não existia era a do convívio, a leitura dos jornais, o jogo das cartas, a conversa, o medir da tensão arterial, os aconselhamentos da assistente social e da animadora cultural.
Jogos, construções, cantigas, ginástica, tudo tinha cessado.
No escritório, uma só pessoa orientava o que se ia fazendo, depois da abertura da porta (que logo era de novo fechada) até que – depois do meio-dia – se voltava a “encerrar o expediente”, para que cada um dos cozinheiros, ajudante, senhora da limpeza e assistente pudessem regressar a suas casas.
A refeição era melhorada. Havia que chegasse para o lanche e para o jantar. Um só dos utentes pedia que lhe levassem a comida a casa, pois estava com dores que não lhe permitiam andar e morava sozinho.
A associação estava parada.
O presidente Silva, viu-se sozinho, sem os outros membros da direcção. Um estava doente, outro tinha falecido, outro obedecia à esposa e não saia de casa, um quinto tinha ido para “a terra” de onde era oriundo, e dois, marido e mulher haviam pedido a demissão, por não se sentirem confortáveis com os perigos da situação.
Cartazes avisavam para os perigos de não lavar as mãos e informavam dos números de emergência médica. Estatutos, regulamentos, avisos e demais papéis e papeletas estavam colados no placard da sala de reuniões e de uso dos sócios.
Os sócios, que só ajudavam a associação a ser util, sem outro retorno que não a satisfação de saberem ser compassivos, ficavam em casa e faziam bem!
Em uma hora os utentes eram despachados com as refeições acabadas de cozinhar, porque os beneficiários vinham a horas certas, com pequenos intervalos e eram disciplinados. Entravam para um pequeno hall para não ficarem na rua e aguardavam que lhes fornecessem a comida, o que entre o chegar e o partir não demorava dez minutos, com os cumprimentos do costumes e uma ou outra conversa de ocasião.
O serviço começava ás seis da manhã com os fornecedores a entregarem as compras e a partir das nove com os colaboradores a tratarem do almoço que era também lanche e jantar, tudo incluindo: sopa, prato principal, fruta, doce, pão e sumos, água ou vinho.
Por vezes um ou outro miminho. Um chocolate, umas bolachas, uma fatia de bolo e salada de frutas.
Outras coisas não havia, mas era uma tarefa abençoada.
Já na administração acontecia o pandemónio: papeis, orientações, leis, editais, instruções, etc. etc. ninguém se entendia. Se um mandava assim, outro dizia o contrário. A Camara, a protecção civil, a gnr, a policia, os bombeiros….todos telefonavam e mandavam mails. Também havia pedidos para receber pessoas necessitadas que não faziam parte da associação, o que era facilitado. Depois logo se veria…
Uns queriam, isto, outros aquilo, muitas estatísticas, informações nem sempre no mesmo sentido, mas as coisas lá iam funcionando e correndo como era possível. Pedidos de receitas, de aconselhamento clinico, marcações de consultas e como fazer em caso de…. Eram orientados para os locais próprios, que ali não se sabiam dessas coisas, mas havia quem soubesse e já era bom poder encaminhar.
A pandemia seguia o seu curso e as pessoas habituavam-se à rotina. A vida modificava-se e nem melhor nem pior, era diferente. Faltava o convívio social, é verdade, e agora é que se via a falta que fazia uma zaragata, uma discordância, a discussão do ultimo jogo de futebol e as opiniões politicas sempre á flor da pele. Os cochichos, as intrigas o malfadado “já não te posso ver e tu queres é ir morrer longe daqui”
Não havia nestes tempos lugares para outros trabalhos e emoções. O presidente Silva recordava, pelo telefone a um amigo, a ocasião em que um membro da anterior direcção se enamorou de uma sócia, ambos com mais de setenta anos, e fora viver com ela, para a província, deixando a associação sem um diretor no activo.
- Andou aqui a fazer uma fonte, que ainda ali está, nas traseiras e antes de concluir adeus que se faz tarde, desapareceu, foi-se embora. Agora ninguém sabe o que fazer com aquilo.
Outro fazia desenhos e peças em barro e enchia as prateleiras da biblioteca com a sua arte. Uma senhora, sempre mal humorada reclamava todos os dias que a sopa de hoje “tinha menos duas colheres do que a de ontem” e ontem tinha mais três, o que não podia ser…tinham de ter mais atenção a isso.
- ò dona Carminho, mas se ficou com fome pode lá ir pedir mais um bocadinho…
- Não, eu não quero.
A vida tinha sido assim, agora não havia histórias para contar: “olha ele a beber um café, vê se ele paga, que eu desconfio que não paga, que lhe fazem o favor….repara! E já é o segundo hoje… “ os velhotes conseguem ser muito cruéis, distraem-se nas coscuvilhice e na espionagem doméstica.
A casa de banho está suja, não há papel higiénico, os vidros estão baços – “ó senhores, ainda agora foi limpa a casa de banho, mas eu vou mandar limpar outra vez, fique sossegado, descanse”!
Agora nem se pensava em viagens e excursões para ir ver ao mosteiro da Batalha ou a Sé de Coimbra e almoçar por lá, que tinha sido uma promessa desta direcção e um tema de conversa durante meses. Quanto custa? Podiam era oferecer o passeio. Ouvi dizer que a direcção em colaboração com a Junta estão a pensar oferecer essas coisas, mas é segredo.
Bolo de anos e cartas de aniversário quando cada um fazia anos, cessaram. A assistente social e a animadora foram dispensadas, pois os utentes deixaram de ser utentes e eram agora só beneficiários da alimentação.
#Vai tudo ficar bem# era o slogan que aparecia por todo o lado.
- Se não morrermos antes! Comentavam.
Dinheiro não havia porque os sócios deixaram de pagar as quotas e os utentes as refeições porque agora não tinham cabeça para isso. Os fornecedores acreditavam, por que a direcção era credível e haverá de pagar. Apoios, só na televisão e nos jornais. Ali não chegava nada. Bem tinham sido oferecidas luvas e aventais descartáveis, que mais é que precisam?
- Obrigado. Está bem assim.
E o tempo começou a andar em modo diferente.

Esta crónica pretende fixar os dias de hoje de uma associação de apoio a idosos. É um testemunho, uma memória. Continua, porque o problema persiste. Pode ser que tenha continuação e final feliz. Aguardemos com esperança!

Carlos Arinto


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