Lay off – Uma fábula a conta-gota


Secaram todas as fontes: Foi isso que aconteceu. E agora, como vamos buscar alimento para casa? Que soluções, que novos rumos, que fazer?

1.
Vou contar-vos a minha experiência. Sou um pequeno empresário e vivo do que a empresa produz, vende e arrecada. Não tenho ferraris, nem quintas no Alentejo.
A empresa ia bem, até que o sócio gerente se demitiu. Era ele o encarregado das vendas e da produção. No meu pelouro, contabilidade, relação com os fornecedores e bancos ia equilibrando despesas com receitas e dívidas com pagamentos. O sócio gerente quis aumento do seu ordenado e eu disse que não. A empresa não produzia para isso, não havia tesouraria para aguentar aumentos. O ordenado dele era o dobro do meu, porque tinha a seu cargo as vendas, sector fundamental da actividade. Sem vendas não há laboração.
O sócio gerente saiu.
Ficou na produção uma senhora encarregada que orientava sob a supervisão de um funcionário contratado. Metade do stock ia para o lixo, porque a encarregada se enganava, fazia mal as contas e estava-se “nas tintas” para aquilo, a empresa não era dela. Isto soube-o depois, muito depois, pois ela disfarçava e aproveitava momentos de pausa para deitar tudo no caixote do lixo, exterior à empresa.
Quando as despesas apertaram, as vendas diminuíram e a produção estagnou, os funcionários reivindicaram aumento dos salários: a colaboradora mais velha contou-me o sucedido, mas que ela não tinha a ver com aquilo, que o aumento tinha que vir. A empresa fechou. Lay off: tudo para a rua. Incluindo os sócios. Ficaram dívidas por pagar. Quem se importa?
Esta é a história de muitas empresas portuguesas.
Pequeno tecido empresarial, sem rei nem roque, sem formação, sem idoneidade. Eu quero é ir para o Fundo de Desemprego e ficar em casa sem fazer nada. Ok, com certeza, toma lá vírus.
2.
Vou contar-vos a minha experiência. Eu queria ser empresário, mas não percebia nada daquilo. O vento estava de feição, os bancos emprestavam e eu tinha umas poupanças. Comprei uma casa, mais ou menos abandonada e fiz obras. Contratei uma aplicação para a angariação dos clientes e aí estava eu no b´nb como “gente grande” empresário e coisa e tal.
De repente os turistas desapareceram. E agora Manuel? Já falei com o banco, mas a divida é para pagar. Talvez o turismo rural, disseram-me lá no banco, tenho aqui umas oportunidades para oferecer. (sim os bancos vendem empresas falidas)

3.
Vou contar-vos a minha experiência. Eu era agricultor e trabalhava com a cooperativa, tinha máquinas e equipamento comprado em leasing empregados, sistemas de rega automáticos, tratores e de sol a sol fazia contas, verificava as culturas, organizava…e também lá andava por entre os vinhedos, os animais.
Um dia a cooperativa disse-me que ia deixar de comprar. Que agora o melhor era eu pensar em exportar. E porquê? Se me é permitido perguntar?
- Porque os preços caíram e não há escoamento para os produtos, só se safa quem tem camaras frigoríficas, sistemas de congelação, os produtos frescos acabaram.
- Mas eu vejo-os à venda nos mercados e a preços bem altos.
- É verdade é a lógica da distribuição.
- Como assim?
- Compram o cabrito, por exemplo, em janeiro, e pagam logo. O preço é esmagado e como o dinheiro é adiantado, o produtor não se importa. Depois na Páscoa o comprador vem buscar e vende-o a outro – mudando os animais, vivos, de camião para camião, no cruzamento das quatro estradas. Este leva-os para o matadouro. Revende-os ao armazém que faz a distribuição, até que finalmente é embalado e chega ao mercado. De, um, o preço subiu para cinquenta. O produtor, entretanto gastou dez.
- Estamos fodidos.
- Pois estamos. O mesmo se passa nas pescas.

4.
Vou contar-vos a minha experiência. A tabacaria fechou porque não vendia jornais. Agora é tudo “na linha”. Os jogos da Santa caíram a pique e os brinquedos, lápis e canetas já tiveram a sua época. A tabacaria fechou e foi passada por um euro a “nova gerência”. Abriu uma casa de take away que vende Kebah.

5.
Vou contar-vos a minha experiência. Os cabeleireiros, as lojas de análises clinicas são tantas, que fazem lembrar o surto de croissanterias em Campo de Ourique no tempo da moda do pastel de Chaves, dos pastéis de nata e do mel de rosmaninho. Chouriças da Beira, queijo de Serpa não se estragam e eram vendidos no mercado, acompanhados de cerveja artesanal.
E lá fui eu, correr atras de um concurso para ter uma banca. Garantias, assinaturas e papeis alocados e abri, o estaminé, com sucesso e clientes. O antigo mercado de peixe, frutas e legumes era um sucesso de convergência social. Vinho a copo, tapas, e gambas de moçambique…
Não posso ser empresário em teletrabalho, quando não tenho local para trabalhar. Não, a comida para fora não resulta, até o gajo dos frangos se recusa a vender os bichos. As pessoas não vêm buscar, acham caro e sem a relação de proximidade, com os outros ficam sem vontade de petiscar.
AH! Os mercados de rua também fecharam, por onde andam os feirantes e os ciganos que vivem desta actividade?
Comecei a plantar tremoços numa leira de terra, por detrás do autoestrada. Aquilo dá trabalho! Sim, os tremoços são para oferecer, já me habituei a viver do ar. Pode ser que a cerveja ainda lá esteja, sem azedar quando regressar.
- #Vai tudo ficar bem!#

6.
Vou contar-vos a minha experiência. Eu era chofer de táxi, depois mudei para a uber. Estou parado á espera de clientes. Já perceberam que os clientes têm diminuído e praticamente não se vêm táxis nas ruas. Enfim são contingências. Logo vou comer uma contingências fritas com molho de abacate. Viva la vida.

7.
Eu vou contar-vos a minha última experiência. Prometo que não os chateio mais. Já todos sabem que os ginásios estão encerrados por causa de uma pandemia que anda por aí. Os donos, espertalhaços que queriam franchisados já reconverteram a sua actividade e agora apostam em alternativas. Sim, podem ser dessas, das ecológicas, mas eu tenho quase a certeza de que as alternativas vão ser… assaltar caixas do multibanco.
Eu vivo bem, sou um artista. Não me queixo. Vivo da música, de exposições de pintura, da venda de livros. É só reconverter, também. Querem animação? Ir ao teatro? Fiquem em casa que todos os espetáculos vão até si. Têm é de meter uma moedinha na caixa do alimentador do acesso. Os jornais já começaram a fazer isso, quer ler uma noticia? Pague! Pois muito bem, se quer cultura, entretenimento, pague! E comece já, antes que esgote, antes que se acabe. Está a perceber a importância de uma história?
Ah, pois é!
(se ficar para ai a “bater com a cabeça nas paredes”, o problema é seu, depois não se queixe, o mundo não é só televisão, jogos e quatro paredes. Refreie-se, quando a quarentena acabar, vai viajar…vai, pode é não ser para onde estava a pensar)

Carlos Arinto
(os sete mandamentos do desmando)

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