A visita





-Toc.Toc.
- Abram!
- Quem esta ai?
- Sou a Páscoa.
- A Páscoa?
- Então eu não sei que este ano não há Páscoa.
Estarei a ouvir vozes, ou este diálogo é mesmo real. Ouço o meu vizinho a falar com a porta do lado de dentro e alguém a falar com a aporta do lado de fora. Todo o cuidado é pouco, andam por aí muitos ladrões.
Podia ser aquele familiar emigrante, a quem disseram para ficar lá, na França, e que, desobediente – eu diria mesmo chico esperto – resolveu vir visitar “os seus”.
- Eu não abro, pode ser “o coiso” vá-se lá embora, senhor.
O dia estava fresco, mas com pouca claridade. A casa era escura com as suas paredes brancas e o pátio estava já coberto das ramagens das videiras. – Esta agora, a Páscoa!?
Sim, estávamos na Semana Santa e no próximo domingo era dia de Páscoa. Mas isso seria daqui a….deixa cá ver…cinco dias. Pensam que eu sou velha e estúpida. Velha, sou, mas estúpida não.
E o senhor padre havia dito que este ano não haveria Páscoa, pois não se podiam juntar e celebrar em conjunto como nos outros anos. Até o Papa, coitadinho, celebrava missa, na Praça de S. Pedro vazia.
- Aleluia!
Mas, em casa, dentro de cada um, a Páscoa continuava e mais forte de que nunca. Esta era a semana do sacrifício. Depois a alegria da ressurreição. Assim haveria de continuar a ser.
Bebeu um pouco de água fresca, por um copo que guardava junto ao cântaro de barro e voltou a sentar-se no cadeirão, com as costas direitas e as mãos juntas.
Como gostava do seu Alentejo, seco, quente e manso. Também, fresco, na sombra, recatado nas tardes passadas nas tabernas onde uma gastronomia salpicada de ervas, cheiros e sabores era única. Não se importava de estar ali, sentada, sozinha, sem fazer nada. Apenas consigo. Logo, haveria de cozinhar umas beldroegas com um ovo escalfado. Para amanhã tinha ali uma bela posta de bacalhau a demolhar. Mas isso era logo e o bacalhau amanhã.  Agora queria estar sossegada.
Vejam bem, a Páscoa…. E abanou a cabeça incrédula.
Se para o mês que bem a ordem de ficar em casa se mantiver é que não vai haver peregrinação a Fátima, pensou. Que pena, o 13 de Maio é tão bonito. E aquela processão à noite, toda enfeitada com velas…
Foi há dez anos, nessa data, que o seu marido faleceu. Bebia demais, coitado e o coração não ajudava. E não largava o tabaco. “Eles” estão sempre a dizer para deixarem de fumar, mas ele…coitado …não ligou.
Suspirou.
Era boa pessoa e foi um bom marido, pelo menos não foi mau…já é bom. E trabalhador, sim, senhor, o trabalho não o assustava.
Olhou em redor e viu as fotografias e os naperons espalhados por cima dos móveis. Gostava de estar ali e de olhar em volta, tudo lhe trazia boas recordações. Sabia o lugar de todas as peçazinhas que entulhavam os móveis e as mesas e tinha um carinho especial por todas, pois cada uma representava um acontecimento na sua vida.
E depois há-de chegar o verão e há-de haver fruta madura no seu quintal. O tio zé da pipa virá recolher os cachos das suas parreiras, como de costume e dar-lhe meia dúzia de garrafas do “seu” vinho. Agora só tratava das aromáticas que polvilhavam os muros da sua casa, quer no interior, quer no exterior, em vasos e leiras de terra que contornavam toda a extensão da casa. Uma casa toda branca, com um filete em azul, de um só piso, com uma cozinha à antiga, com caniços, onde se fazia o fumeiro. As janelas sempre fechadas para que de inverno não entrasse o frio e de verão o calor.
A casa já era dos seus pais e ficava agora no centro da aldeia, que se havia estendido até ali. Todas as terras, a partir da porta das traseiras que se estendiam até ao cimo do monte, eram suas. Oliveiras e sobreiros. Azeite e cortiça.
Gostava de estar ali, sentada, na penumbra, sem fazer nada.
- A Páscoa, vejam lá, que disparate. A Páscoa é só para a semana, no domingo.


Carlos Arinto

Comentários

Mensagens populares