Uma morte com anúncio


Sim, é capaz de já ter morrido, não sei!
Nem quero saber. Cada um paga pelo que faz e pelo que não faz. Ninguém disse que tínhamos que ser justos.
Nasceu numa família de marinheiros. O pai foi o último. Ele, filho único, cedo se revelou adverso à reprodução. Foi actor, compositor e escrevinhador de teatro, em peças que nunca subiram à cena.
Para se alimentar foi guarda prisional e com uma formação em “medicinas alternativas” deu consultas e receitou placebos. Nas horas vagas frequentou tertúlias e bares de homossexuais. Nunca teve dinheiro. Foi editor, poeta, ladrão e venerável na Loja dos ofícios a que pertencia.
Fazia amigos com facilidade, tinha conversas sedutoras, muitas mulheres gostavam dele e viajava para terras longínquas para orgias infindáveis com os santos, que ali se festejavam.
Era de esquerda. Uma esquerda radical que não se conformava com nada. Trabalhou para o Estado e foi saneado,  pelos comunistas, depois do 25 de Abril, que o desprezavam, porque não os elogiava.. Escreveu em jornais da direita, voltou à comunidade das comunas, ao teatro à cena dos fados e das casas de marialvas e acabou a ajudar à missa na Igreja da sua paróquia.
Cantou ópera e conviveu com todos os artistas do seu século. Viveu no Zorro, aldeia próxima de Coimbra.
Já lá não vou há muitos anos.
E nesta breve descrição se percebe o quão difícil pode ser termos o retrato do homem que não se deixava ajudar. Já deve ter morrido. Tudo pode ter acontecido.

(homenagem a FRT)

Carlos Arinto

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