Li teratura





A família Li estava em casa, como não podia deixar de ser, e não era chinesa, nem oriental, como erradamente se poderia concluir pelo nome.
A família Li não ia comer a restaurantes chineses, nem fazia compras nas grandes lojas de preços baratos que existem por todo o lado, nem era admiradora de sushi.
Poder-se-ia dizer que era uma família de contraciclo, se essa expressão pudesse ser aplicada aqui, pois hoje, a economia é tudo. Basta ver que, quando chega à noite e tenho de acender as luzes da minha sala, a luz que invade aquele espaço onde leio e me sento para descansar, inumda-me com os olhos rasgados e uma cor amarelada. Já tentei trocar de lâmpada, mas o fenómeno repete-se. Dizem-me que é uma questão de investimentos, não percebo, mas eu não sou economista.
Pois a família Li, lê.
Fica esquisito, dito assim, mas é verdade. Naquela família todos leem e todos apreciam um bom livro. Com gosto por géneros diferentes, mas cada um tem os seus livros e gosta de música e adora pintura e sabe até ter uma conversa com significado. Incrível, não é? Raro! Sim, também vão ao futebol e fazem desporto e passeiam aos sábados de manhã junto ao padrão dos descobrimentos, em Belém, e comem um pastelzinho naquele estabelecimento de portas azuis e paredes com azulejos que ali existe. 
A família Li possui um cão, que não é deste nem daquele, mas de todos, e que brinca e passeia na rua, como fazem os outros cães, cheirando o rabo uns dos outros. Possuem um carro elétrico, que carrega na garagem durante a noite, duas trotinetes, várias bicicletas e um hoverboard, que é uma espécie de skate elétrico com duas rodas.
A família Li é uma família normal. Igual a tantas outras, a todas diria, não fosse o exagero ser exagerado. 
Hoje dia 23 de Maio, que é dia do livro, a família Li fez uma festa particular na sua casa que não é grande, mas tem conforto e bom gosto na decoração. Cada um leu um bocado do livro que mais gosta e depois todos se pronunciaram sobre o que tinham ouvido, porque gostaram ou não gostaram e o que pensavam do autor. Este acto simbólico, não acrescenta nada ao mundo dos mortais, nem à consciência cívica das populações, aqui ou na India, na Tailândia ou nos países da América do Sul. È um acto intimista, despretensioso e de carinho, mas tem toda a importância para os Li. Eles sabem que a cultura não viaja de avião, nem é turismo. A cultura está, onde nós estamos e nós somos todos, incluindo os sem-cultura, que vivem das Jonets que distribuem a “dita cuja”, em saquinhos, com palminhas cantadas e votos de boas festas.
A família Li foi surpreendida, nesta quinta-feira com a chegada de um ovni, que sem se fazer anunciar, apareceu na casa que habitam, ali à Lapa. O estranho objecto, que os Li não souberam identificar, pairou, pairou, pairou… e aterrou com um barulho de drone no parapeito da janela. Hospitaleiros, ofereceram aos visitantes croquetes acabadinhos de fritar. Quem é que não gosta?
Eles agradeceram e prometeram voltar. Ficaram curiosos com os livros e tiraram muitas fotografias para mostrar às suas famílias, lá no planeta deles onde parece que é tudo <e-qualquer coisa>
Os Li também aproveitaram e fizeram uma selfie com os astronautas, que está agora na marcar a página de um livro maior que repousa num cavalete, logo à entrada.
Este inverno a casa dos Li nunca precisou de lareira acesa, a temperatura é sempre agradável e quando chega o verão, por artes mágicas a casa fica fresca, sombria e prazenteira, o que convenhamos, é muita ousadia para uma simples casa: ser prazenteira.
Quando não estão em casa, os Li levam livros para ler nos transportes públicos ou no intervalo do almoço. 
(com tantos meios de transporte na garagem, os li andam em transportes públicos? Sim andam, eu até vos poderia confidenciar o porquê, mas não estou autorizado a revelar alguns segredos) 
Até lhes chamam os Literatura! Alcunha, claro, mas que não os ofende. Os Li sabem ser modestos e moderados. São meus compadres, por parte da minha mãe, que não sabia ler, nem tinha ido à escola, mas que nos ensinou (a nós, aos filhos) a escrever.
Os Li ção, pois como não podiam deixar de ser, são, uma família feliz.

Carlos Arinto


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